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CAIO NEGRO NO PALCO GRUPO NOSSA CARA PRETA

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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Racismo, raça, etnia e marxismo

O marxismo é uma ciência social que responde satisfatoriamente os
principais impasses do capitalismo, verifica que a luta pela
apropriação das riquezas produzidas pela humanidade é a fonte básica
das contradições. Propõe uma sociedade sem classe social, cuja
produção seja socialmente produzida e distribuída. O desenvolvimento
do marxismo, mesmo quando não é hegemônico, tem contribuído para
conquistas e avanços em diversas dimensões sociais, no entanto,
reconhecidamente, há um grande déficit teórico em relação às questões
raciais.
A mais libertária e conseqüente teoria sociológica nasce contemporânea
a radicalização do abolicionismo na Inglaterra, França e Estados
Unidos; ao racismo “científico”, que racializava a humanidade
hierarquizando as raças, a fim de justificar o novo colonialismo
europeu que avançava sobre os continentes africano e asiático, e
estabelecer um novo lugar para um enorme contingente populacional
recém saído da escravidão nas Américas. Apesar do momento sombrio que
se avizinhava à ciência política, visto que a base que sustentava a
teoria racista (determinismo geográfico, superioridade biológica,
características morfológicas como determinantes de caráter e
habilidades) provou-se anticientífica desde os primórdios de sua
elaboração, Marx e Engels não avançaram os limites colocados em seu
tempo histórico, para eles a questão étnica e racial não se impôs
claramente.
Outros importantes teóricos marxistas não desenvolveram reflexões
sobre esse tema, ao contrário, em alguns momentos assimilavam
argumentos do evolucionismo social, teoria que sustentava a
hierarquização de raças e culturas. Isso explica as lacunas teóricas e
alguns erros políticos do movimento comunista. Ainda assim, o marxismo
é o melhor método científico tanto para entender como para combater o
racismo;   os comunista deram contribuições históricas para elaboração
política dos movimentos antirracismo, para libertação dos povos e
países africanos e para organização do movimento negro em toda
diáspora.
       Ciente do limite teórico ora explicitado, as correntes liberais e
pós-modernas - algumas se auto-intitulam pós-marxistas - como mais um
meio de propagar o fim do marxismo e a consolidação de um novo tempo
histórico, elaboram críticas nefastas ao desenvolvimento político dos
trabalhadores na luta para conquista do socialismo. Parte do
pensamento conservador é resultado da exploração de debilidades da
experiência da construção do socialismo empiricamente verificáveis.
Acusam o marxismo de ter fracassado na resolução das contradições
relacionadas à raça, gênero e etnia existentes no interior das
classes; argumentam que as experiências do socialismo no leste europeu
foi um fiasco, sufocaram as nacionalidades, essas só expressaram suas
aspirações e singularidades com plena liberdade após a queda do regime
na região. Advogam que a ênfase marxista nas classes sociais é
reducionista, pois as classes estão dissolvendo, o grau de contradição
intraclasses não permite considerá-las um todo que compartilha
projetos e aspirações, ao contrário, as classes competem entre si. A
política contemporânea responde a impulsos enraizados em identidades
diversas (raça, gênero, etnia, nacionalidade, orientação sexual,
etc.), cujos interesses políticos não se esgotam nos limites dado
pelas divisões de classes.
Hipocritamente omitem que o racismo está enraizado, desde sua gênese,
em base econômica, sempre serviu a interesses sociais, econômicos e
políticos de Estados e das classes dominantes, ora pra justificar a
escravização de seres humanos, saque aos recursos naturais e ao
trabalho de sociedades autônomas, por isso imbrica-se na luta de
classes, na luta contra o colonialismo e contra o imperialismo. Em
outras palavras, apesar de ter se estruturado teoricamente a margem do
capitalismo e conter elementos que pode sobreviver a regimes
sócio-econômicos pós-capital, o racismo serve como elemento de
opressão em benefício dos interesses burgueses, ao mesmo tempo tem
grande potencial para criar confusão e divisão dos trabalhadores.
Segundo Libero Della Piana, presidente do Partido Comunista dos
Estados Unidos, “o racismo em nosso país é a maior ferramenta do
capitalismo, ferramenta número um para dividir os trabalhadores. O
racismo faz os capitalistas mais ricos” .
Essa mesma corrente não esconde sua verdadeira intenção quando apregoa
a minimização do Estado e plena liberdade aos mercados; associam as
experiências socialistas com autoritarismo e corrupção; propõe a
solidariedade entre as classes, fim do antiiperialismo e
fortalecimento do conceito de interdependência entre ricos e pobres,
com objetivo de deslegitimar a luta de classe organizada pelos
trabalhadores e seus partidos. Resumidamente estão na contramão do
anti-racismo, pois propõe uma agenda conservadora que deve ser
combatida, porque beneficia exclusivamente a burguesia internacional e
os Estados nacionais ricos.
As manifestações culturais subjacentes no racismo - estereotipo
negativo, atribuição de menor valia as expressões do outro,
preconceito - sobrevivem as mudanças estruturais econômicas e
políticas. Para consolidação do socialismo haverá necessidade de um
longo período de transição, após a classe operária ascender ao poder
político, ou seja, a mudança das estruturas materiais que sustentam o
capitalismo deverá ser processual. Quanto a superestrutura o processo
é idêntico, mudando a estrutura material a sociedade processualmente
se divorciará das idéias dominantes anterior.
O racismo não putrefará na inércia, haverá necessidade de atuar sobre
ele, reeducar o povo contra os resquícios culturais e psicológicos
decorrente da ideologia que o sustenta. Apesar de ser um regime
essencialmente libertário, não é líquido e certo que o socialismo
engendra o antirracismo, no processo de sua construção deve se
observado as opressões que não se associam exclusivamente com a
dimensão econômica. Por essa razão a luta contra o racismo é
compatível e deve organizar-se em concomitância e unidade com a luta
do proletariado para tomada do poder político e construção do
socialismo. O que exige dos teóricos progressistas, em especial dos
brasileiros pelo histórico de miscigenação e multiculturalidade,
protagonismo na formulação de ferramentas teóricas e políticas que
confronte os ideários racistas, sempre sintonizadas a nossa
experiência histórica.
Conceito de raça e etnia
No marxismo, raça e etnia são elementos irrelevantes para explicar as
diferenças políticas, grupos homogêneos competem por recurso comum
disponíveis, para isso lutam politicamente entre si. O capital explora
indistintamente, não enxerga raça, nacionalidade, gênero ou outras
identidades, mas ao longo de sua experiência prática os donos do
capital utilizam raça, gênero e nacionalidade para aumentar a
expropriação e dividir a base social explorada.
Em certos contextos, a percepção de equivalências sócio-econômicas
contribui com a formação vínculos políticos para atuação na luta de
classe, fenômeno invariavelmente confundido com lutas raciais – a
grande rebelião da comunidade negra em Los Angeles, em 1992 e o
levante nos subúrbios de Paris em 2007 são exemplos da luta de classe
subjacente em conflitos raciais, pois a elites econômicas negra, nas
respectivas cidades não tomaram parte nos conflitos. “Os diferentes
grupos étnicos são colocados e se colocam em relações de cooperação,
simbiose ou conflito, pelo fato de que como grupos têm variados
interesses, funções econômicas e políticas” .
O conceito raça é inoperante para explicar a variabilidade humana, não
tem amparo na ciência biológica. A sociedade humana é uma espécie que
não subdivide em raças ou sub-raças diferentes, “mas em seis bilhões
de indivíduos genomicamente diferentes entre si, mas com graus maiores
ou menores de parentesco em suas variadas linhagens genealógicas.
(...) Em outras palavras, pode ser fácil distinguir fenotipicamente um
europeu de um africano ou asiático, mas tal facilidade desaparece por
completo quando se procuram evidências dessas diferenças ´raciais’ no
genoma das pessoas” . Raça não é uma realidade biológica, é uma
construção sócio-política, carregada de ideologia, como tal, não
proclama seu verdadeiro sentido: relação de poder e dominação .
Na forma “científica” o conceito foi elaborado e desenvolvido pelas
elites burguesas européias em finais do século XVIII e XIX, com
objetivo de legitimar filosoficamente a dominação e sujeição política
e econômica entre classes sociais através da colonização, escravidão,
discriminação, diversas formas de exploração e atrocidades. A
elaboração anterior proposta pela Igreja em finais do século XV não se
sustentava racionalmente, o mundo se transformava, os valores que
sustentavam a antiga ordem foram duramente questionados, jogados no
ralo das inteligências dominantes e da história. O racismo científico
foi uma chave fundamental para as mudanças estruturais impostas pela
burguesia - classe social que acabara de assumir definitivamente o
poder político – e para o desenvolvimento do capitalismo enquanto modo
de produção globalmente dominante.
Desde o século XVI, época marcada pelas grandes navegações,
colonização da América, e fase inicial do encontro e trocas comerciais
entre os povos europeus, africanos e asiáticos, as populações negras,
em todo planeta, vivem com acúmulos de desvantagens provocadas pela
violência, saques e exploração insana da sua mão de obra. No
imaginário do senso comum negro é sinônimo de pobre e marginal, os
negros compartilham histórico de discriminação negativa e
subalternidade. Esse lugar social secularmente imposto, teórica e
filosoficamente sustentado pelas classes dominantes, determinou
identidades comuns entre os negros e os obrigou organizarem contra a
opressão. A burguesia racializou a humanidade e tem desfrutado dos
lucros que o racialismo gera.
Em finais da segunda guerra mundial as teorias racistas baseadas em
pseudos ciências foram rejeitadas pela comunidade cientifica
internacional, ainda assim, se mantêm a desigualdade herdada do
racismo científico e do histórico de exploração direcionada as
populações não brancas. Provando que o racismo, na atualidade, não
necessita de uma teoria para legitimá-lo nem da proclamação científica
de existência das raças, o pensamento coletivo a convencionou. Há
forças políticas e econômicas lucrando com sua vitalidade, será
necessário tempo para que sua sustentação mental seja aniquilada e
muita luta política para sua superação. As variedades fenotípicas
entre os seres humanos são empiricamente incontestáveis, não se
confunde visualmente um esquimó da Groenlândia com um aborígine
australiano, por isso a noção social de raça dispensa critérios
genótipos, é na “raça biologicamente fictícia” que se assenta a
classificação hierárquica, se assentam os estereótipos, historicamente
negam direitos e o racismo sobrevive vigorosamente.
       Etnia é um conceito de caráter sócio-cultural, histórico,
psicológico, lingüístico e de identidade, está em constante
desenvolvimento, tem se fortalecido na mesma medida da inviabilidade
científica das raças. Se para a ciência a hierarquização biológica é
uma fraude, então se substitui pela cultura, assim mantem a
respeitabilidade teórica da desigualdade produzida pelo racismo e
legitima a dominação política anterior. As identidades étnicas tomam
lugar das raças, prendendo as populações representantes das culturas
“menos desenvolvidas”, “atrasadas” e “primitivas” nas franjas da
sociedade moderna. Marx nos alertou ao peso negativo para luta
emancipacionista do proletariado a inobservância da opressão
direcionada a setores ou camadas dos trabalhadores e o quanto a
opressão étnica divide a luta da classe operária e beneficia os
algozes:
“Cada centro industrial e comercial na Inglaterra possui uma classe
trabalhadora dividida em dois campos hostis, proletários ingleses e
proletários irlandeses. O trabalhador inglês comum odeia o trabalhador
irlandês como um competidor que rebaixa seu padrão de vida. Em relação
ao trabalhador irlandês ele se sente um membro da nação dominante, e
assim torna-se num instrumento dos aristocratas e capitalista de seu
país contra a Irlanda, fortalecendo a sua dominação sobre ele próprio.
Ele aprecia os preconceitos sociais, religiosos e nacionais contra os
trabalhadores irlandeses. A sua atitude é muito parecida a dos
‘brancos pobres’ em relação aos negros nos antigos estados
escravagistas dos EUA. O irlandês lhe paga com juros na mesma moeda.
Ele vê no trabalhador inglês ao mesmo tempo o cúmplice e o instrumento
estúpido do domínio inglês na Irlanda.
Nessas palavras de Marx são possíveis duas deduções, uma que o racismo
e a discriminação estabelecem desvantagem material a segmentos
étnicos, raciais ou nacionais no interior do proletariado, divide a
classe e fortalece a burguesia. Outra que a parcela dos trabalhadores
que não recebe o impacto direto do racismo e da discriminação se sente
psicologicamente superior, esse sentimento conforta a angústia da
miséria em que se encontra, arrefecida pela facilidade em despejar-la
sobre seu bode expiatório: o discriminado.
A mensagem racista seduz parcela dos trabalhadores, pois está
implícita uma promessa de solução imaginária ao problema real, como a
pobreza, desemprego, exploração, que os defronta cotidianamente.
Segundo Alcir Lenharo o nazismo triunfou na Alemanha porque “... a
ideologia racista oficial era de fato acatada e subassumida, e servia
de ponto norteador da conduta individual e coletiva da população.”   .
Silenciar e subestimar o racismo enquanto uma proposta política social
reacionária para benefício de uma minoria, equivale a apoiar
tacitamente a própria dominação. Por isso combate-lo é uma tarefa
revolucionária, cabe ao proletariado e seu Partido ações com objetivo
de desarticular, enfraquecer e superar o racismo, pois a eles está
dada a tarefa de dirigir a luta pela transformação social.
Os comunistas e a compreensão do povo brasileiro
       O Brasil, desde sua gênese, edificou uma sociedade multirracial,
embora não seja a única experiência civilizatória na América marcada
pelo encontro e pela miscigenação de vários povos, raças, etnias e
culturas. Há nos brasileiros, características nacionais singulares -
provenientes do processo histórico que moldou a nação – que mesmo
salvaguardando diversidades das múltiplas ancestralidades, tem uma
identidade nacional identificável em todo planeta. A constituição de
um povo nação que compartilha identidade nacional comum e
homogeneidade étnica, comporta diferenças, conflitos, assimetrias
sociais. O Brasil é um exemplo de nação que, a despeito da cultura
dominante ter sufocado, embaraçado e perseguido as matrizes culturais
dominadas e alienígenas, consolidou uma sólida unidade carregada de
diversidade.
Os comunistas reconhecem a existência do racismo e da desigualdade
racial no Brasil, compreendem que dispomos de condições e instrumentos
positivos para melhor combate-lo. Somos um povo uno, unidade formada
pelo encontro assimétrico e miscigenação de três povos: os
colonizadores portugueses, os índios nativos da terra e os africanos
utilizados como mão de obra escrava. Unidade forjada num processo
violento e contínuo de unificação territorial e política da nação, na
luta popular contra a opressão imperialista e das elites locais. Não
há em todo território nacionalidades em conflitos, movimentos ou
forças separatistas, etnias reivindicando território e
autodeterminação. Somos um povo profundamente miscigenado -
compreendendo que todas as sociedades humanas são miscigenadas, que
esse fenômeno não reduz totalmente a hierarquia racial elaborada pelos
pensadores do racismo cientifico e que miscigenação não se resume ao
intercurso sexual para procriação, mas encontro de valores
humanísticos que envolvem religião, mitos de criação, culturas,
folclores, etc.-, falamos apenas um idioma, a base da sociedade
brasileira é socialmente integrada, enquanto povo-nação, o povo
brasileiro é um todo indivisível.
A compreensão da existência de um povo uno no Brasil, não ignora e nem
subtrai da unidade contradições de diversas dimensões que devem ser
tratadas: gênero, etnia/ raça, desigualdades regionais, dentre outras.
Segundo Darci Ribeiro “... a uniformidade cultural e a unidade
nacional (...) não devem cegar-nos, entretanto, para disparidades,
contradições e antagonismos que subsistem debaixo delas como fatores
dinâmicos da maior importância.”  O Estado brasileiro e as elites
nacionais são os verdadeiros construtores teóricos, políticos e
materiais do racismo e da desigualdade social e econômica entre os
negros e brancos, suas escolhas políticas, nos primórdios da
República, foram assumidamente racistas, visavam eliminar a existência
física do negro no Brasil. É importante compreender que no seio da
sociedade civil brasileira tem sérios problemas impregnados, que
justificam o fato de estarmos entre as sociedades mais desiguais do
planeta; convivermos com índices alarmantes de violência, onde a
juventude negra é o principal alvo; termos uma classe média racista e
conservadora, tenaz atuante contra os avanços sociais propostos; a
elite mais mesquinha, gananciosa e antipatriota do mundo.
Estamos diante de uma unidade doente, sob suspeita, em situação de
risco, inconclusa, sob uma profunda estratificação social exacerbada,
intransponível, que confunde a pobreza com a população negra e
privilegia uma minúscula elite branca. A tese da unidade do povo
brasileiro não significa “um cala boca” aos graves e estruturais erros
do passado, nem uma negativa ao necessário resgate dos direitos
negados aos negros e indígenas. Ao contrário, um povo uno sobrevive
quando garante o gozo dos direitos humanos a aqueles que se dirigiram
as opressões históricas. Daí a importância das forças progressistas
ocuparem os governos para aprofundarem a mudança, dando prioridade na
universalização da intervenção do Estado junto a população, sem
prejuízo do olhar atento sobre as especificidades. A manutenção das
contradições no interior do povo favorece a desagregação da sociedade
e dificulta o processo de construção – ainda em curso – da Nação
brasileira.
Edson França

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